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“Mulheres na Luta Pela Vida” é a palavra de ordem do 8 de março em 2021

8/03/21 às 00:00
“Mulheres na Luta pela Vida!”. Esta é a principal palavra de ordem da mobilização nacional que as mulheres estão construindo para o 8 de março em 2021. Nada mais urgente em um Brasil que se aproxima das 300 mil mortes provocadas pela pandemia do novo coronavírus.
 
As profundas desigualdades sociais e raciais que caracterizam o país ficaram ainda mais evidentes quando ocorreu a primeira morte, em decorrência da pandemia, no estado do Rio de Janeiro: a de dona Cleonice. Empregada doméstica – categoria formada majoritariamente por mulheres negras -, dona Cleonice, apesar dos seus 63 anos e de um histórico de trabalho infantil desde os 13 anos de idade, morreu contaminada pela sua patroa que retornava de uma viagem internacional.
 
De dona Cleonice às mais de 260 mil mortes, os contornos genocidas que a pandemia vem tomando no Brasil parecem não ter mudado de rumo. Enfrentando a morte; na linha de frente das profissões de saúde; no campo, produzindo alimentos saudáveis, ou nas cidades, oferecendo serviços de cuidado pelas engrenagens do mercado informal; no anonimato das suas casas ou nos fios invisíveis que sustentam as comunidades empobrecidas; as mulheres resistem de forma particular à tragédia da pandemia e ao abandono do Estado. Compensam com seu trabalho reprodutivo, gratuito ou desvalorizado, as perdas econômicas e o desmonte das políticas públicas e sociais, ainda mais fragilizadas com a PEC (EC) 95 que congela investimentos nessas áreas e rifa o futuro do país por 20 anos.
 
Sobrevivência
 
Não é por casualidade que a pesquisa “GÊNERO e NÚMERO & SOF – Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, realizada em 2020, apontou que 50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia. Se considerarmos as mulheres rurais, esse porcentual chega a 62%, sugerindo que o seu trabalho possa ter funcionado como um refúgio frente ao desemprego ou à fome nas grandes cidades. Dentre as mulheres que enfrentaram o desemprego e a ameaça à sua sobrevivência durante a pandemia, 58% são negras. Mas também são as mulheres negras que se destacam como protagonistas das ações de solidariedade organizadas pelos movimentos sociais neste contexto.
 
Nos casos em que as mulheres mantiveram seu emprego assalariado, 41% relata uma intensificação do seu trabalho, mas quase a totalidade aponta a sobreposição de responsabilidades entre o trabalho remunerado e a intensificação do trabalho doméstico. Mais de 35% das mulheres entrevistadas são as únicas responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidados das suas famílias. Como era de se esperar, quando perguntadas sobre suas percepções, 91,2% das mulheres acreditam que a violência doméstica se intensificou durante o período de isolamento social. Elas relatam o aumento do controle e da desqualificação em relação ao trabalho doméstico e à maternidade, além das já clássicas formas de violência física e sexual que compõem o imaginário dos perigos que podem atingir as mulheres.
 
Violência
 
Acontece que as lutas feministas têm proporcionado um amplo diagnóstico das diversas formas da violência patriarcal. Além dos lastros genocidas do abandono do Estado no contexto da pandemia, as mulheres compensam com sua vida outros genocídios cotidianos. Não é por casualidade que cada crise do capital configura um novo ataque às mulheres. O Brasil é o primeiro no mundo em assassinato de mulheres trans e travestis, tem um lugar destacado no triste ranking dos feminicídios, e também numa política genocida que encarcera e mata a população negra e extermina seus povos indígenas e quilombolas.
 
Como defensoras dos seus territórios, cuidadoras das suas famílias e comunidades, as mulheres são as primeiras e principais atingidas frente à ofensiva neoextrativista que recoloca os bens comuns da natureza na roda neocolonial das commodities. Elas têm sido protagonistas na denúncia dos territórios extrativistas como verdadeiras zonas de sacrifício para as mulheres, pois as cadeias de violência encontram um terreno fértil onde se reforçam estruturas patriarcais e se consolidam novas e grandes desigualdades: assimetrias salariais, reforço da divisão sexual e racial do trabalho, e enfraquecimento de funções comunitárias e ancestrais das mulheres.
 
Vida
 
Mas nas mãos de movimentos feministas que experimentam novos horizontes organizativos, como no exemplo da greve de mulheres, os diagnósticos sobre as violências não se traduzem em uma linguagem de pacificação. Por uma ironia da história, as mulheres aprenderam a romper as correntes que as amarram ao trabalho doméstico e reprodutivo, devolvendo visibilidade e radicalidade a um trabalho que sustenta a vida, e, portanto, que deve ser ressignificado e socializado. A greve feminista – com sua aguçada palavra de ordem: “se as mulheres param, o mundo para!” – joga luzes sobre o trabalho gratuito das mulheres; sobre as desigualdades sexistas e racistas do mercado de trabalho; e sobre o significado do controle da capacidade reprodutiva e da criminalização das mulheres que decidem interromper uma gravidez.
 
Reinventando as trincheiras da luta de classes, irrompendo desde lugares subalternos que a ordem capitalista, racista e patriarcal insiste em lhes atribuir, as mulheres, mais uma vez, se levantam e declamam: “Fora Bolsonaro, Vacina para toda a população e Auxilio Emergencial Já!”. Não é casualidade que a Luta pela Vida tenha as mulheres como combatentes destacadas.
 
Relatos
 
As frentes de luta pelos direitos das mulheres são diversas e para traçar um panorama sobre pautas tão importantes e fundamentais, a ABEPSS ouviu mulheres (lista abaixo) que integram essas frentes. Seus relatos e considerações serão divulgados nos canais de comunicação da Associação durante o mês de março.
  • Tatianny Araújo – assistente social ativista da Rede de Assistentes Sociais pelo Direito de Decidir e da Resistência Feminista;
  • Heliana Hemetério – historiadora, articuladora da Rede Candaces Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras e Ativistas; conselheira da Junta Diretiva do Fundo Emergente da América Latina; enlace LGBT da Rede de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe; e filiada à Rede de Mulheres Negras – Pr. Filiada a AMNB;
  • Luciene Lacerda – psicóloga, feminista negra, doutoranda em Educação pela UFRJ, membro da coordenação de Ações Feministas do Instituto Búzios e do Fórum Estadual de Mulheres Negras RJ; participante da Coalizão Negra pelos Direitos; e criadora e integrante da coordenação da campanha de 21 dias de ativismo contra o racismo;
  • Nilbemara Simplício – integrante do Coletivo Negra da UFERSA; e graduada com licenciatura interdisciplinar em Educação do Campo;
  • Verônica Ferreira – educadora e pesquisadora do SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia; e militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco/Articulação de Mulheres Brasileiras e Articulação Feminista MARCOSUR. O SOS Corpo e a AMB integram a Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto;
  • Mirla Cisne – doutora em Serviço Social; professora e pesquisadora da UERN (Mossoró).

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