De acordo com Rivânia Moura, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes/SN), professora do curso Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), a Emenda Constitucional 95, o chamado Teto dos Gastos, aprovada no Governo Temer, impôs uma nova regra para o cálculo do orçamento em áreas essenciais, como Educação e Saúde. Há um golpe mais aprofundado do que apenas os cortes e contingenciamentos que já eram cada vez mais comuns. O que passa a ocorrer é a diminuição progressiva do orçamento para essas áreas.
“Isso traz impacto para a manutenção de universidades, institutos federais e Cefets, por exemplo. Em 2021, os impactos atingiram a manutenção, segurança, limpeza, internet, telefone, água, energia e as bolsas dos estudantes que estão dentro do custeio das instituições. O impacto também provoca a não realização de concursos públicos e, com isso, temos defasagem de quadro e muitos professores temporários, além de sobrecarga de trabalho. E também não há reposição salarial, nem mesmo da inflação do período. Tudo isso precariza as condições de trabalho. A lógica é a de não repor os quadros e manter todas as atividades. Quem está no serviço público sofre as consequências do corte nas áreas prioritárias”, disse.
Rivânia Moura acrescenta que existe dinheiro e que a questão é para onde ele vai, o que sofre forte imposição de políticas econômicas que atendem a interesses internacionais e da elite econômica. “A discussão sobre furar o teto no início da pandemia foi muito difícil. Tivemos muita dificuldade de debater isso em um momento em que era essencial fortalecer os investimentos. Uma das nossas bandeiras de luta é revogar a Emenda Constitucional 95. Queremos que não haja o teto. E agora, temos o Governo Federal furando o teto que defende para beneficiar setores que o apoiam, como os caminhoneiros, e para manipular programas com fins eleitorais, enfraquecendo as políticas sociais. Com isso, a justificativa para manter o teto se desfaz completamente”, defendeu.
Gênesis de Oliveira Pereira, professor adjunto na Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que o estado brasileiro vive uma contrarreforma administrativa permanente com traços centrais em uma contrarreforma trabalhista na esfera pública. O cenário articula o desmonte das políticas sociais com o desmonte do trabalho que as operacionalizam. “Com o aprofundamento das políticas ultraneoliberais temos um acirramento das disputas em torno do fundo público, em especial da parcela destinada ao pagamento dos servidores. A Emenda Constitucional 95, ao congelar as despesas primárias, incidiu diretamente sobre o gasto com servidores. As ameaças de rompimento do Teto de Gastos vêm aumentando a pressão por uma contrarreforma trabalhista no Estado”.
O professor destaca, ainda, que desde a instituição do Regime Jurídico Único (RJU) se observam sucessivos ataques às/aos servidoras/es que consolidam novas tendências para o trabalho na esfera pública. “Destaco o incremento das terceirizações operacionalizadas por meio da Lei nº 8.666/93 e dos Decretos nº 2.271/1997 e 9.507/2018. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Continua (2019), temos, entre os anos de 2012 e 2019, um crescimento dos trabalhadores informais de nível superior em 10,63% e uma diminuição do funcionalismo público no mesmo nível de escolaridade em 1,02 %; e o congelamento e ampliação das dificuldades para realização de concursos públicos, que se expressam no Decreto nº 9.739/19, na Lei Complementar n° 173/2020 e, mais recentemente, na aprovação da Proposta Ementa Constitucional 186 que criou gatilhos para congelamento de gastos essenciais que impedem, dentre outas coisas, os aumentos salariais e a realização de concursos para novas vagas. O que se observa é uma degradação do trabalho na esfera pública e uma profunda intensificação das jornadas de trabalho”.
Nas universidades, de acordo com Gênesis de Oliveira Pereira, que também é coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Orçamento de Pessoal, precarização e Serviço Social (Gepoppss), essas tendências estão presentes no trabalho temporário que se materializa através de vínculos altamente precários dos professores substitutos. Também estão demonstradas nas terceirizações que adentram especialmente pelas áreas de segurança e limpeza, promovendo uma intensa rotatividade do trabalho, atrasos salariais e vínculos profundamente desprotegidos; e nas tecnologias da informação que se intensificaram na pandemia, consolidando a tendência de uberização do trabalho nas universidades.
“Somos nós, professores e técnicos-administrativos, os responsáveis por assegurar os meios de trabalho para o desenvolvimento de nossas atividades. O contingenciamento de concursos vem promovendo incertezas até mesmo na recomposição dos quadros de aposentadorias. Vivemos um momento de incerteza, onde tudo que é sólido desmancha no ar. Devemos destacar, também, que os servidores admitidos após o ano de 2013 perderam o direito à aposentadoria integral. A Emenda Constitucional 103/2019, por sua vez, ampliou as alíquotas previdenciárias promovendo uma redução indireta dos salários”, disse.
PEC 32
Para a professora Rivânia Moura, a PEC 32, a Reforma Administrativa, em tramitação na Câmara dos Deputados, em Brasília, é o aprofundamento das medidas de ajuste fiscal, já abordadas, com a desresponsabilização do estado, que caminha para ser subsidiário e não mais responsável e nem protagonista nas políticas sociais que são entregues ao mercado, restando ao estado apenas o que não gera lucro para o mercado.
“A PEC 32 atinge o conjunto da população que depende exclusivamente do serviço público para sobreviver. Tem município no qual 90% da população dependem do SUS. Essa PEC aprofunda e amplia a destruição do estado. Dá abertura para a privatização, por dentro, na Saúde, Educação e na Previdência. Uma parte da Reforma permite que o privado utilize equipamentos públicos e pessoal do serviço público. Isso passaria a ser regra. Entregam o patrimônio e as instituições para a iniciativa privada que recebe tudo pronto. Deixa de ser um direito da população. É o fim do que ainda temos do estado que está na Constituição de 88”, explicou.
Mas os movimentos sociais estão na resistência para barrar a aprovação da PEC 32 na Câmara dos Deputados. “A luta se intensificou agora. Estamos a seis semanas mantendo atividades em Brasília, na pressão com os deputados, junto com inúmeras entidades sindicais. E isso tem surtido um grande efeito. O projeto não vai pra votação porque não há garantia dos votos e isso é fruto da luta. Tem deputado que não quer ficar atrelado ao Bolsonaro. Quem vota a favor está vinculado. Vamos nos manter mobilizados até derrubar o projeto e isso tem sido avaliado como um dos pontos principais para que parlamentares façam o debate. O Governo só conseguiu a aprovação na comissão especial fazendo uma manobra com deputados do Partido Novo que fizeram esse papel. Mas isso mostra que eles estão com dificuldades para conseguir os votos”.
Fim dos concursos
Outro alerta feito por Rivânia Moura é o de que a PEC 32 traz uma nova forma de contratação para o conjunto dos serviços públicos. “Poderão contratar professores sem concurso por tempo indeterminado. Importante dizer também que o poder do chefe do executivo vai aumentar e ele poderá extinguir órgãos e autarquias sem consultar ninguém. Isso pode colocar fim a instituições inteiras. Acabar com os institutos federais, por exemplo, seria simples se a PEC 32 passar. Além disso, as novas contratações seriam para o regime geral de previdência (INSS) e não com o regime próprio de previdência dos servidores, o que coloca em risco a sustentabilidade do sistema e, por consequência, a aposentadoria dos atuais servidores. Entendemos que a luta não pode ser só dos servidores públicos. Não basta apenas dizer #ForaBolsonaro, temos que derrotar as pautas do governo Bolsonaro, pois colocam em risco toda a sociedade”.
Para o professor da UFRJ Gênesis de Oliveira Pereira, a PEC 32 é, sobretudo, uma contrarreforma trabalhista na esfera pública. As consequências da contrarreforma administrativa são, segundo ele, nefastas e ameaçam a existência do funcionalismo público tal como conhecemos. Ele destaca que é importante não se iludir com a retirada da proposta de fim da estabilidade para novos servidores aprovada no dia 23 de setembro de 2021 na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Isso porque o fim da estabilidade caminha por novos meandros como o artigo 37 da PEC 32, onde destaca-se a privatização das políticas sociais através de sua execução por empresas privadas.
“Há também a generalização do contrato por prazo determinado com duração de até 10 anos, exceto para as carreiras típicas de estado. E, além disso, a avaliação de desempenho como forma de promover a perda do cargo público, mesmo após alcançar a estabilidade, também integra esses meandros. É preciso ter nítido que não somos contra a avaliação do nosso trabalho. Contudo, os critérios de avaliação não podem ser construídos por entes externos, que visam estabelecer critérios universais para todos os servidores. Da mesma forma, em tempos de avanços ultraneoliberais e ultraconservadores a avaliação de desempenho, tal como proposta, parece ser uma estrutura politicamente perigosa, que servirá para perseguição de servidores acarretando perdas irreparáveis para toda sociedade. Devemos lembrar que a estabilidade não é um direito do servidor, ela é um direito de toda a sociedade. A estabilidade não é um privilégio, é uma condição para que o trabalho não seja subjugado aos imperativos da administração”, explicou Gênesis.
O professor da UFRJ alerta que essa configuração pretende tornar obsoleto o Regime Jurídico Único (RJU), repassando os recursos para corporações e comprometendo a natureza pública dos direitos sociais que passam a ser capitalizados. “De 1994 a 2017 temos um crescimento ininterrupto do trabalho temporário no Estado. Na esfera federal, ele chegou a 5% no ano de 2017. Na esfera municipal chegou a 8% em 2017. Estima-se que na área da Saúde a proporção de contrato temporário gira em torno de 30% e na Educação em torno de 40 % em alguns estados e municípios. Essa tendência, de acordo com o relatório aprovado, irá se acirrar, atingindo cifras que comprometem a viabilidade do RJU”.
Universidade
No âmbito da Universidade, a PEC 32 abre a possibilidade de que sua gestão e execução sejam realizadas pela inciativa privada, atingindo a autonomia universitária. “A hegemonia da lógica do valor irá aprofundar as cisões entre as pesquisas de interesse dos grupos capitalistas e as pesquisas de interesse da sociedade, teremos, nos termos já utilizados por Marilena Chauí, a hegemonia da universidade operacional. A regulação dos contratos por prazo determinado pode construir uma universidade altamente precária, operacionalizada por trabalhadores que tendem a substituir antigos servidores regidos pelo RJU. A possibilidade de redução da jornada de trabalho e dos salários em 25% compromete a reprodução social dos servidores públicos de todas as esferas. Nas universidades atuamos com uma sobrecarga de trabalho, onde uma redução de nossa jornada comprometerá o tripé ‘ensino, pesquisa e extensão’. Sinaliza, portanto, a redução da universidade e do trabalho docente à dimensão apenas do ensino”, ressaltou o professor Gênesis.
Compromisso com a sociedade
Mesmo diante de tantos ataques que trazem consigo desafios para trabalhadoras e trabalhadores que atuam no setor público, a presidenta do Andes/SN, Rivânia Moura, exalta a relevância da atuação de servidoras/es públicas/os no Brasil e os serviços indispensáveis que prestam à sociedade brasileira.
“Talvez tenhamos poucas coisas a comemorar nas condições de trabalho e salariais. Mas temos muito a valorizar, no sentido do que significa o nosso trabalho. É muito gratificante ter a condição de contribuir com a formação de outras pessoas, estar dentro de uma concepção de educação pública, gratuita e de qualidade, ter a motivação para a pesquisa. No Brasil, 95% das pesquisas são de universidades públicas e temos importância fundamental para o ensino e formação de novos profissionais, para novas descobertas, para as ciências e novas tecnologias. Temos feito isso de forma muito comprometida. Nosso compromisso é com o que é público e no atendimento ao conjunto da sociedade. Os resultados são públicos. A grande recompensa de estar no serviço público é ter como fruto do trabalho resultados que não são privados, mas públicos. O mais gratificante, mesmo com todos os desafios, é esse. Contribuir com a classe trabalhadora nos faz mais fortes para enfrentar os desafios e a precarização. Não existe serviço público sem servidor público. Nós levamos à população o que é direito dela”.
O professor da Escola de Serviço Social da UFRJ Gênesis de Oliveira Pereira vai na mesma direção. “Somos nós, servidores, os responsáveis pela operacionalização dos serviços que atendem às necessidades do conjunto da sociedade. Nosso trabalho tem como objetivo servir à sociedade e não às gestões. Embora estejamos passando por um momento de depreciação do servidor, nosso trabalho é necessário para milhares de brasileiros que precisam dos serviços públicos. Estou seguro de que a luta pela carreira pública passa pela necessidade de barrar a contrarreforma administrativa. A luta, como podemos ver, não é corporativa. Ela remete à valorização dos princípios democráticos e à qualidade dos serviços ofertados à população. Portanto, nos manifestamos em prol da qualidade dos serviços, da valorização de nosso trabalho e contra o desmonte das políticas sociais. Nós não precisamos de uma contrarreforma administrativa, precisamos, sobretudo, de condições de trabalho, de hospitais que não peguem fogo, de equipes com profissionais, de políticas sociais amplas para responder ao empobrecimento da população. Precisamos de uma universidade capaz de pensar o tempo presente, autônoma em sua gestão e operacionalizadora e produtora de conhecimento socialmente referenciado”.
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