Vanessa Bezerra de Souza, assistente social e professora da Escola de Serviço Social da UNIRIO, lembra que o Governo Bolsonaro atacou políticas públicas voltadas para os direitos das mulheres, patrocinando políticas misóginas que precisam ser combatidas com urgência.
“Acredito que teremos uma nova fase a partir das eleições. Aumentou o número de feminicídios e de outras violências diversas contra mulheres, e atribuo isso ao discurso que instiga e naturaliza. O principal desafio é político, reverter isso para que possamos voltar a pautar coisas que já eram consideradas básicas como políticas de assistência às mulheres, aborto. Parece que voltamos 200 anos na história. Mulheres são vistas como bruxas que devem ser queimadas vivas, como no período feudal. Precisamos voltar a debater questões que não são mais pautadas, pois o Governo esvaziou os conselhos, tornando-os consultivos. Vivemos uma pseudodemocracia”, disse.
Formação
Para Vanessa Bezerra de Souza, que também é coordenadora da Pesquisa Relações Patriarcais de Gênero, Racismo e Serviço Social, além de coordenadora do Projeto de Extensão “Luz, Câmera, Ação”: a Presença das Relações de Gênero e do Racismo no Cinema, da UNIRIO, houve avanços na formação em Serviço Social no que diz respeito aos conteúdos feministas.
“Temos garantido que haja cada vez mais conteúdo sobre o patriarcado na formação profissional. Precisamos ampliar com disciplinas obrigatórias. Hoje, há disciplinas que debatem feminismo e gênero, mas são optativas. Não devia ser assim porque grande parte das/os estudantes se forma sem esse debate. O conteúdo é fundamental para evitar que assistentes sociais, mesmo mulheres, reproduzam atitudes machistas e misóginas”, disse a professora, que também é feminista, comunista e antirracista.
Ela acrescenta que, no exercício profissional, se as assistentes sociais não têm leitura crítica a partir das pautas feministas, elas poderão não perceber a subalternização do Serviço Social frente a outras profissões por conta do machismo que atinge a categoria, uma vez que é composta majoritariamente por mulheres. “Todo o espaço de exercício será determinado pela questão do gênero, patriarcado, feminismo. Todos os espaços de intervenção profissional precisam de uma leitura crítica disso. Sem esse olhar, a possibilidade de deixar de garantir esses direitos é muito grande”.
Vanessa ressaltou, ainda, que Damares e Bolsonaro desmontaram os centros de atendimento às mulheres, delegacias, abrigos para mulheres vítimas de violência. O orçamento despencou em cerca de 90% e o desfinanciamento é utilizado para inviabilizar a garantia dos direitos e precarizar os serviços.
“Há relatos de que as equipes foram substituídas. As assistentes sociais estão entrando em sofrimento mental, ansiedade. É bom lembrar que mulheres se sentem mais à vontade para relatar violência com mulheres. Não houve apenas demissão de profissionais qualificadas, mas contratação de homens desqualificados, com perspectivas misóginas. Isso resulta em mulheres desestimuladas a fazer denúncias. O sofrimento é reduzido ao que chamam de ‘mimimi’”, explicou.
Na mesma linha, a professora do curso de Serviço Social da UFMT Ivna de Oliveira Nunes, que é assistente social e ex-representante da Regional Centro-oeste na Abepss, explica que é preciso ter em mente que quem busca mais as políticas públicas são as mulheres. Na profissão, assistentes sociais vão lidar com mulheres da classe trabalhadora, racializadas, e é preciso ter compreensão disso para atuar de maneira qualificada, para leitura da realidade e garantia dos direitos.
“O Serviço Social é um curso majoritariamente composto por mulheres. Precisamos ter leitura sobre feminismo e gênero. O curso se desenvolveu na contradição da realidade social. E houve amadurecimento ao ponto de termos nas diretrizes curriculares disciplinas em que as relações de gênero e raciais são temas transversais em todas as disciplinas. Não tem como discutir as expressões da questão social sem fazer correlação entre classe, gênero e raça. É preciso fazer a defesa da transversalidade de temas que são de suma importância para o Serviço Social, para a leitura crítica da realidade”, disse a professora que também integra o GENPOSS, da UnB, e o NUEPOM, da UFMT, que está comemorando 30 anos de pesquisas e projetos de extensão sobre relações de gênero.
Trabalho
Para Ivna, que atua no Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde do Adulto e do Idoso com Ênfase em Atenção Cardiovascular (PRIMSCAV), as mulheres vivem um momento desafiador no Brasil. O contexto reforça o patriarcado, o machismo e o racismo, por meio de um governo com traço conservador muito acentuado que tem reverberado negativamente sobre as mulheres com políticas que diminuem as condições e direitos delas.
“E temos mais desafios em tempos de pandemia. As condições dos trabalhadores e principalmente das trabalhadoras, e mais ainda das mulheres negras, foram agudizadas. Nós estivemos na linha de frente de combate à Covid-19. A carestia e o empobrecimento rebatem na classe trabalhadora. Somos nós que ainda estamos nas filas nas unidades básicas de saúde. É preciso encontrar outras saídas no combate a esses problemas que se refletem hoje nas mulheres. E para isso precisamos desengessar os movimentos sociais atacados pelo atual governo”, defendeu.
Para Ivna, o bolsonarismo acentua a raiz nefasta do desenvolvimento da sociedade brasileira. Enquanto o Governo Bolsonaro combate o que chama de “ideologia de gênero”, a professora defende que seja aprofundado o debate sobre mulheres, raça, comunidade LGBTQIA+. “Os problemas sempre recaem sobre essas populações, reforçados pelos traços conservadores, machistas, e racistas da sociedade. As primeiras pessoas demitidas são as mulheres da classe trabalhadora. Somos as mais pobres do planeta (70%) e a violência nos atinge mais”, disse.
Salário
Além de perderem seus empregos primeiro, há ainda a luta pela igualdade de condições de salário, como lembra Ester Fátima Vargem Rodrigues, assistente social, mestra em História Social, pesquisadora da imigração africana no Brasil, e representante de supervisores de campo na Abepss.
“A mulher está sempre num nível abaixo em comparação aos homens. O Serviço Social tem grande presença de mulheres e a profissão demonstra muito isso. Há desigualdade de gênero salarial. A pandemia fez aumentar as graves situações de violência contra a mulher e todas as portas de políticas sociais passam pelo serviço Social. Isso coloca para a categoria uma questão para enfrentamento, para modificar a situação”, disse.
Ester, que também é militante do Movimento Negro, e integrante do Grupo de Estudos de Relações Étnico-raciais e Serviço Social (Geres), defende que é o momento de uma importante discussão política. “Nossa categoria tem um papel na discussão do cenário político. Há defasagem das políticas sociais. Perdemos direitos vitais que haviam sido conquistados. Esse momento político é o momento dessa discussão e reflexão para reaver esses direitos”.
A assistente social lembra, ainda, que há baixa representatividade feminina na política, em especial das mulheres negras, e que a luta pela igualdade passa pelo protagonismo, ouvindo pessoas diversas para que seja possível chegar a uma política mais adequada para toda a população.
“Eu entendo que as instituições estão sentindo maior necessidade dessa discussão. Temos discutido muito a diversidade. A Abepss, o conjunto CFESS/CRESS e as faculdades estão abordando a questão de gênero impulsionados pelo interesse das/os próprias/os estudantes que pressionam para que as coisas aconteçam”, lembrou.
Compromisso
Ester Fátima Vargem Rodrigues conclui dizendo que “enquanto mulher e assistente social sou uma mulher negra e tenho olhar específico. A universidade tem que avançar muito nessa discussão. Há muita espera pela data específica e falar o tempo todo é muito importante. Falo desse lugar de mulher negra e assistente social e defendo que a discussão é da categoria e não apenas das mulheres negras”.
E Vanessa Bezerra de Souza também lembra os compromissos da categoria: “neste 8 de março, o recado é que a nossa profissão precisa entender a data como data de luta e garantia pelos direitos das mulheres, anticapitalista, antirracista e antipatriarcal. Essas pautas juntas podem construir uma sociedade minimamente igualitária. Muitos desafios só serão enfrentados com qualidade se compreendermos que a luta feminista também é anticapitalista e antirracista, por conta da história no nosso país. Mulheres negras sofrem mais. O capitalismo se apropria do patriarcado e do racismo para potencializar o seu nível de exploração. Fragmentar a luta da classe trabalhadora só faz com que o capitalismo se fortaleça ainda mais. E os homens também devem ser trazidos para essa luta”.
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