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RAPS fragilizada e dinheiro do SUS indo para o setor privado reduzem atendimentos em saúde mental

10/10/22 às 00:00
Está em andamento no Brasil o desmonte da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), movimento que acontece paralelamente ao avanço da canalização de recursos para o setor privado, colocando em risco a Reforma Psiquiátrica brasileira e a perspectiva antimanicomial construída para a área de saúde mental no país.
 
De acordo com Fabiola Xavier Leal, professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), todas as conquistas do movimento da luta antimanicomial em defesa da Reforma Psiquiátrica brasileira dos últimos 30 anos estão em risco. “A prioridade para o financiamento de serviços privados, como clínicas/hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas de cunho religioso, tem sido a direção de governo em âmbito federal e em âmbito estadual de vários estados. Essas instituições reproduzem a exclusão, isolamento e medicalização com abstinência total”.
 
A professora da Ufes acrescenta que a RAPS está fragilizada e subfinanciada, impactando no tipo de cuidado e atendimento às pessoas em sofrimento mental e às que consomem drogas e demandam atendimento. “O discurso moralista, conservador e biomédico reforça a incapacidade do indivíduo em sofrimento, submetendo os sujeitos ao tratamento muitas vezes compulsório e com violações de direitos básicos. A população, principalmente no contexto pandêmico, tem sofrido pela ausência de serviços no território e em liberdade”.
 
Fabiola Xavier Leal reforça que enquanto não faltam recursos para leitos de internação, falta dinheiro público para treinar profissionais no uso de novas tecnologias, para equipar e estruturar a RAPS, contratar profissionais habilitados e ampliar a rede ambulatorial. A população mais atingida é a que está em piores condições sociais, e é ela que está desassistida.
 
“Para reverter esse cenário precisamos garantir primeiro: o financiamento público para serviços públicos. Por isso a defesa de um Estado laico no atendimento em Saúde mental. O SUS tem uma rede mundialmente reconhecida para atendimento dessas demandas. E segundo: estratégias que contribuam para reverter a ideia consolidada no senso comum de que pessoas com transtornos mentais e/ou em uso prejudicial de drogas precisam ser confinadas e submetidas ao trabalho, oração e medicação exclusiva. Há outras possibilidades viáveis, mais baratas, públicas, mais eficazes e éticas para esse cuidado. E cientificamente comprovadas”, defendeu.
 
SUS
 
Para Fabiola Xavier Leal, que também é coordenadora do Grupo de estudos, pesquisa e extensão Fênix, o setor privado tem avançado sobre o Fundo Público do SUS desde que este se constituiu como um sistema público e universal. “Passamos por subfinanciamento e agora podemos falar de desfinanciamento. Temos vivido a perda do objetivo da própria saúde. Esta tem quase que desaparecido do horizonte do pensamento e da ação. A política neoliberal considera a intervenção do Estado uma medida antieconômica e antiprodutiva impondo a redução dos gastos sociais e dos serviços sociais públicos, como é o caso da saúde. A universalidade é pelo lucro, a equidade é pela distribuição entre os empresários do setor. O que está em disputa é como vivemos e como morremos, quem vive e quem morre”, alertou.
 
Os beneficiários diretos das políticas da seguridade social são os trabalhadores, lembra Fabiola. E, em grande medida, eles também são os financiadores destas políticas mediante o pagamento de impostos. E são eles também que acabam não acessando o direito à saúde, pois falta assistência em todos os níveis de atenção – primária, média e alta complexidade.
 
“De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o setor público brasileiro investiu apenas 4% do PIB em saúde, em 2019. Por sua vez, esse montante é inferior aos 6% que a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) considera como o ideal. Mesmo o gasto sendo insuficiente, em 2016 foi aprovada a Emenda Constitucional 95, popularmente conhecida como Teto dos Gastos, piorando ainda mais a situação até 2036”, explicou.
 
Além disso, Fabiola Xavier Leal acrescenta que há o problema do princípio da complementariedade do SUS, com os contratos com Organizações Sociais (OSs), o que significa comprar serviços não oferecidos pelo SUS de empresas privadas. Isso foi fruto de fortíssimo lobby de empresas médicas, cooperativas e planos de saúde. Essas organizações nascem de hospitais filantrópicos, hospitais privados, empresas médicas, laboratórios e centros de diagnósticos e faculdades de medicina, que são grupos de grande capital privado.
 
Serviço Social
 
A formação em Serviço Social segue um direcionamento ético e político, além de técnico, voltado para a defesa intransigente dos direitos da classe trabalhadora. Nesse sentido, a professora da Ufes Fabiola Xavier Leal enfatiza que as/os profissionais da área têm a responsabilidade de atuar em defesa dos serviços públicos, de qualidade, prestados por um Estado laico que garanta atendimento universal baseado nos princípios da equidade em saúde.
 
“Assistentes sociais devem ocupar instâncias de controle social (conselhos e conferências, principalmente) e nesses espaços se posicionar em defesa da vida. E também defender a autonomia na direção do SUS, com recursos públicos para instituições públicas. E denunciar as grandes fortunas. Não queremos filantropia com dinheiro dos ricos, mas redistribuição das riquezas, uma solidariedade ativa (e não voluntarista) que libera recursos para a saúde e demais políticas públicas. E assim se posicionar contra a privatização dos serviços da saúde, participar ativamente nas Frentes em defesa da Saúde Pública. No caso da saúde mental, atuar sob a ótica da redução de danos e defender o fortalecimento dessa política”, concluiu.

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