A Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) vem, por meio desta, manifestar seu posicionamento ético-político frente a atual situação de pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19) e as medidas tomadas no que se refere à Educação.
A ABEPSS faz a defesa de um projeto profissional crítico, eticamente fundamentado, fruto de uma construção histórica das/os assistentes sociais no país. A gravidade e profundidade da crise que vive o Brasil e o mundo, nos dias de hoje, não estão desvinculadas do contexto histórico e político do desenvolvimento capitalista, que com medidas ultraliberais, vem empreendendo uma série de ataques brutais à classe trabalhadora e a seus direitos, repercutindo nas condições de vida da enorme maioria da população do planeta, demonstrando a incapacidade da economia de “livre mercado” forjar períodos mais longos de estabilidade social.
Nesse sentido, não podemos cair na falácia de que a COVID-19 seja a única responsável pelas fraturas gigantescas que estão sendo evidenciadas violentamente na economia global e nas relações sociais em nível internacional. As declarações, ações e recomendações dos Estados nacionais explicitam a diferença entre burguesia e trabalhadores. Ainda que todas/os sejam afetadas/os pelo vírus, isso não se dará da mesma forma. A quarentena e o isolamento voluntários, extremamente importantes para a quebra dos ciclos de contágio, são possíveis para todos os segmentos sociais? Quem, efetivamente, em nossa sociedade, tem condições reais e objetivas para seguir tais recomendações?
Está evidente que os impactos de uma pandemia, como a COVID-19, tem seus efeitos diferenciados, pois são atravessados pela desigualdade, ou seja, as trabalhadoras e trabalhadores estão expostos a maior risco de adoecimento e morte: aglomerados nos pontos de ônibus e metrôs, utilizando transporte público, indo para o trabalho, e enfrentando diariamente sérios riscos de contaminação. As/Os milhões de trabalhadoras/es, hoje na informalidade, exercendo suas atividades de maneira extremamente precária, não podem parar de trabalhar, pois necessitam dessa renda para a própria sobrevivência e de suas famílias. Além disso, fica evidente, no nosso país, que essa crise causará o aumento do número de desempregadas/os, subempregadas/os, trabalhadores e trabalhadoras sem garantia de direitos, uma vez que as sinalizações governamentais estão no socorro aos empresários, bancos, etc.
Essas escolhas associadas ao desmonte das Políticas Públicas, especialmente na área da Saúde – que nesse momento são imprescindíveis para essas/es trabalhadoras/es –, bem como as medidas de congelamento de gastos e a Emenda Constitucional 95, implantada no governo Temer, causaram perdas de mais de 20 bilhões de reais na saúde pública (isso somente no ano de 2019). Com a precariedade em que se encontra o Sistema Único de Saúde (SUS), como e de que forma vamos garantir o atendimento de saúde para a massa da população que não está vinculada a prestação de serviços privados? Por isso, a pandemia só evidencia tragicamente como a vida é secundarizada face à acumulação de capital.
A ABEPSS, considerando todos os elementos anteriores e a situação de quarentena, encaminhada como forma de contenção da COVID-19, manifesta posição contrária à PORTARIA MEC Nº 343, de 17 de março de 2020, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus (COVID-19). A proposta de realização online das atividades desconsidera a excepcionalidade da situação e que radicalmente modifica a dinâmica de vida de docentes e discentes na qual todos os membros familiares se encontram em casa, trazendo sobrecargas particularmente às mulheres (maioria do nosso corpo discente e docente); desconsidera as formas de acesso à internet dos discentes mais pobres; desconsidera a dimensão pedagógica que a relação presencial possibilita no processo formativo; e desconsidera as dimensões sociais e psicológicas de adaptação à nova realidade. Os elementos listados são importantes no processo ensino-aprendizagem.
Ao mesmo tempo, a ABEPSS também analisa com muita preocupação o silêncio da CAPES no que se refere aos prazos para defesas e qualificações; bem como o preenchimento do banco de dados da Plataforma Sucupira. ABEPSS entende que a pós-graduação não está dissociada de todas as problemáticas que atravessam a reorganização da vida acadêmica neste tempo de pandemia. No médio prazo entendemos que as orientações da PORTARIA MEC nº 343 podem representar ainda mais uma precarização e desmonte da carreira docente, dos técnicos-administrativos em educação, da formação profissional das/os discentes, independentemente do curso e das condições de infraestrutura das instituições.
Ademais essas questões, cabe ratificar o acúmulo substantivo de reflexões, histórica e coletivamente construídas pela categoria, que nos leva a defender a incompatibilidade da modalidade de Ensino à Distância com a formação da/o assistente social, nos moldes do atual projeto ético-político. Seguimos nessa defesa, compreendendo que em momentos de calamidade as atividades acadêmicas devem ser suspensas para que sejam retomadas, com a sua devida qualidade, em uma conjuntura adequada.
Nesse momento, defendemos que nenhum docente, pesquisador ou estudante de Serviço Social deve ser coagido a realizar atividades acadêmicas, sejam elas presenciais ou à distância. É momento de colocar como prioridade as ações preventivas de Saúde, evitando mais mortes, reconstruindo os vínculos solidários e coletivos de uma sociedade fraturada – bem antes pelos interesses do grande capital, do que pelo novo coronavírus (COVID-19).
Por isso, a ABEPSS se posiciona de maneira contundente em favor de uma reflexão ético-política sobre a crise atual; da construção de ações estratégicas e solidárias entre as/os trabalhadores e trabalhadoras; do posicionamento crítico frente às irresponsabilidades do Governo Bolsonaro; da imediata revogação da Emenda Constitucional 95; da defesa intransigente do SUS (Sistema Único de Saúde), 100% público e estatal, com o financiamento adequado para atender as necessidades da classe trabalhadora; da ampliação das equipes multiprofissionais de saúde; e da universalização do acesso aos serviços de saúde.
Brasília (DF), 19 de março de 2020.
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