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Professoras e professores são atacados no Brasil porque ensinam a pensar

14/10/21 às 00:00
A educação pública, gratuita, laica e de qualidade está sofrendo ataques diretos do Governo Federal que corta recursos e patrocina um ambiente em que se nega a ciência, o conhecimento, a pesquisa, e que tenta calar professoras e professores. Tudo isso tem rebatimentos na atuação das/os docentes que, além da desvalorização histórica, agora enfrentam a falta de respeito para com o trabalho que desenvolvem.

De acordo com o presidente da Abepss, Rodrigo Teixeira, a docência é um exercício diário e, para isso, é preciso cotidianamente fazer uma análise que possibilite sair do imediato para apreender as mediações do real. “Nesse cenário tão adverso, negacionista, de anticiência, de péssimas condições de trabalho docente – em todos os níveis de educação – a análise radical da realidade é a ‘arma da crítica’. Nesse sentido, professores/as são fundamentais para a ampliação do pensamento crítico”.

Rodrigo Teixeira lembra que hoje o Brasil tem um Ministério da Educação que caminha na direção oposta ao projeto de educação defendido pela categoria. “Não há possibilidade de dialogar com esse desgoverno, se não, fazer a crítica radical e lutar pelo Fora Bolsonaro e por um projeto popular, crítico e democrático para a educação brasileira. Como docentes, precisamos estar nas ruas, nos debates políticos, apresentando nosso acúmulo, pois toda ação de um/uma professor/a é uma ação pedagógica. Nesse sentido, é fundamental que estejamos nas frentes de luta, organizados/as no sindicato local e nacional”.
Para a professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), Janaína Lopes da N. Duarte, o atraso é total na área trabalhista para a categoria. Ela explica que o Governo Bolsonaro dá  continuidade de maneira muito mais agressiva a retrocessos que já vinham de outros governos. Por isso, ela defende que é preciso derrubar o Governo.

“A PEC 32 (Reforma Administrativa) vem para terminar de destruir o que restou depois da Emenda 95 (Teto de Gasto). Precisamos de mais recursos, investimento nas escolas e professores. Não há reposição nem da inflação nos salários. Sofremos um desprestígio completo. O MEC nada faz e o setor privado faz o que quer. Se a Reforma Administrativa passar, não vamos ter mais concursos públicos e será a desconstrução do funcionalismo público e da educação. Lembrando o sociólogo Florestan Fernandes, recursos públicos têm que estar na educação pública. Mas o que vemos é o inverso: cada vez menos recursos destinados à educação. Os recursos, para este Governo, não devem ser para serviços públicos, mas para quem detém o capital. Lucram com a falta de acesso da população ao básico de que precisam para viver”, disse.

Desrespeito

Janaína Lopes, que também é professora do Programa de Pós-graduação em Política Social da UnB e integra a diretoria da Regional Centro-Oeste da Abepss, acrescenta que é muito difícil atuar no ambiente atual. “É preciso ter muito cuidado com o que se fala. Podemos sofrer um processo do nada com algo divulgado na internet de maneira descontextualizada. Lidamos com ausência de recursos, negação permanente. Veja o que ocorre na Capes. Todas as áreas (programas de pós-graduação com mestrado e doutorado) entregaram os relatórios. E queriam mudar os critérios no meio do caminho. A avaliação foi suspensa por tempo indeterminado por via judicial. E agora estamos sem perspectiva de recursos. Há diversos programas que se organizaram nos últimos anos e que agora estão na insegurança. Quanto mais confusão este governo cria, mais holofotes ganha e menos recursos destina. E por outro lado, com a pandemia, ficou muito evidente a importância da pesquisa para dados sobre a própria pandemia, as vacinas, e também sobre a pobreza, fome, desemprego, entre outros. A riqueza da pesquisa tem sido comprovada. Sem pesquisa não se consegue avançar. Se tivéssemos um projeto de nação, investiríamos em saúde e educação”.

Jucileide Ferreira do Nascimento, professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e do Programa de Pós-graduação de Política Social e Territórios da mesma universidade, lembra que a discussão sobre o serviço público remonta ao governo Collor. “Não há valorização do servidor público. O Governo Bolsonaro é mais contundente, sem diálogo, mas o processo é de longa data. O momento hoje é difícil. Não conseguimos mais mobilizar como na década de 90 e nos anos 2000. Nessa relação, os professores são mal vistos e sofrem”.

Ela explica que existe uma lógica anticiência e negacionista que piora a imagem dos professores. “Estamos vendo o que está acontecendo com a Capes. Antes havia, ao menos, um reconhecimento da pesquisa. O cenário é de fragilidade dos movimentos sociais e desfavorável ao conhecimento científico. Sou professora desde 2008 e existia respeito ao trabalho do docente e às instâncias de pesquisa e produtoras de conhecimento no Brasil. Mas agora até isso foi perdido. Senti mais isso no âmbito da pós-graduação. A Universidade é vista pela pesquisa. Sempre fomos submetidos ao produtivismo, mas agora não somos apenas cobrados. Estão desrespeitando a própria produção”.

Para a professora Jucileide, que também integra o GTP de Política Social e Serviço Social da Abepss, a melhor estratégia de resistência diante desses enormes desafios é fazer o que a Abepss está fazendo: abrir os debates. “O contexto é desfavorável para conquistas de valorização de servidores públicos e, principalmente, de pesquisadores, mesmo diante de toda a percepção de que foi a ciência que deu as respostas à pandemia. A PEC 32, da Reforma Administrativa, é a destruição do serviço público e da pesquisa nacional”.

E a professora faz um alerta: “se há instâncias como o MEC, a Capes e o CNPq atacam a educação pública e a pesquisa das universidades, isso terá rebatimento na produção. Isso impacta e desacredita o trabalho, desestimula as/os estudantes. A tendência é que o ensino público superior desapareça. A tendência é o desaparecimento dos programas de pós-graduação (mestrado e doutorado) mais recentes. Há um canibalismo entre os programas pelos recursos. O que está em jogo é o ensino gratuito, público, laico e de qualidade”.

Gratificante

Mesmo diante de tanto desafios e de um cenário negativo que se agiganta diante de professoras e professores do todo o Brasil, ainda é gratificante ser docente? A professora da UFRB Jucileide Ferreira do Nascimento não tem dúvidas de que sim. “Somos utópicos, sonhadores. Percebemos a transformação da realidade das pessoas que acessam a universidade. Trabalho em uma região em que há muitos quilombolas. Vale muito à pena ser professora aqui porque vi e acompanho a mudança na trajetória de vida das pessoas. Tem um ex-aluno que recebia bolsa desde a graduação e hoje é professor substituto na mesma universidade que estudou. Ele seria um potencial perdido se não tivesse a oportunidade. Somos discípulos de Paulo Freire e acreditamos na capacidade de transformação das vidas. Nas regiões Norte e Nordeste isso é ainda mais forte. Ainda é possível mudar as vidas mesmo com tudo isso, com uberização do trabalho. Mudar pelo menos a leitura de realidade. O acesso aos autores e a troca entre os pares transforma a realidade das pessoas. Continuamos resistindo”.

O presidente da Abepss, Rodrigo Teixeira, acrescenta que o 15 de outubro é dia de comemorar e homenagear professoras e professores porque ensinam, sobretudo, a pensar, a refletir criticamente e a construir ações rumo a uma sociedade livre e emancipada. “Eu me formei em Serviço Social, gosto muito de ser assistente social e nunca tinha pensado em ser docente. Entretanto, descobri na docência uma potência para defender o projeto ético-político do Serviço Social e para formar assistentes sociais nessa direção”.

A professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), Janaína Lopes da N. Duarte também acredita no poder da educação. “A situação desmotiva, mas é preciso acreditar que a educação é para além do aqui e agora. Os desafios são transitórios para homens e mulheres do seu tempo. Vamos lutar e continuar no enfrentamento. Vamos acreditar no poder da educação numa perspectiva emancipatória. Não é só sala de aula, institucional. É possibilidade de construir outra perspectiva de educação, para além do capitalismo, crítica. No dia do/a professor/a é preciso refletir sobre o que vem acontecendo, tomar consciência. E reafirmar e convocar para a luta”.

A professora Janaína Lopes conclui explicando que educação é possibilidade de mudança e construção de uma sociedade diferente da que temos. A educação é elemento estratégico na mudança. Por isso o atual governo ataca frontalmente a educação, na tentativa de impedir que a população pense, porque pensar instiga a mudar a realidade. “Temos responsabilidade e somos peças de combate. É preciso estudar, se posicionar. O que falamos tem eco. Tocamos outras pessoas”.

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