De acordo com Ana Cristina de Souza Vieira, professora titular do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é importante que haja uma data para reflexão sobre a Aids, o vírus HIV, a prevenção e a relação da sociedade com isso. Apesar de ainda ser um problema de saúde pública, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) vem construindo um consenso internacional para enfrentamento da epidemia de HIV, considerando a possibilidade de seu fim até 2030.
“Houve na década de 2010 uma grande mudança no enfrentamento à epidemia, indicando o uso de antirretrovirais a partir do momento de identificação da infecção. Antes disso, somente quando as defesas do organismo já estavam muito baixas era indicado o uso de antirretrovirais. Com o novo protocolo, as pessoas ficam com o vírus indetectável e não transmitem. Essa condição é extremamente importante enquanto não se obtém uma vacina. Há também a possibilidade de acesso à profilaxia pós-exposição (PEP) e pré-exposição (PrEP), que protege pessoas que sofrem acidentes com objetos perfurocortantes, sofrem violência sexual, ou convivem como casais sorodiscordantes. É importante que a sociedade esteja informada sobre as formas de prevenção e tratamento, especialmente as populações-chave que são homens que fazem sexo com homens, pessoas trans e travestis, e trabalhadores do sexo”, explicou.
Conservadorismo
Ana Cristina de Souza Vieira, que também é coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais e Direitos Sociais (NEPPS) da UFPE, destaca que as formas de infecção pelo HIV, desde o início da epidemia no mundo, estão relacionadas principalmente a práticas sexuais que fogem aos padrões tradicionais, ou à utilização de seringas compartilhadas entre usuários de drogas. Com isso, o estigma em relação às pessoas vivendo com HIV e Aids foi construído com suporte no conservadorismo que vem crescendo globalmente, articulado ao fortalecimento do neoliberalismo.
“É preciso enfrentar o conservadorismo, reduzindo as desigualdades, respeitando os direitos sexuais e reprodutivos, investindo nos direitos humanos e no direito à diversidade. A defesa da família tradicional, o fim dos serviços de proteção social, exigindo das mulheres a responsabilidade na reprodução social, ao mesmo tempo em que ocorrem reformas trabalhista e previdenciária que cortam direitos e garantias sociais, serve aos interesses conservadores e, ao mesmo tempo, aos programas de austeridade fiscal”, disse, lembrando que o governo de extrema-direita agiu pesadamente a favor de interesses privatistas na área de saúde, conseguindo desfinanciar o Sistema Único de Saúde (SUS).
“O SUS, já fragilizado com o subfinanciamento desde sua criação, sofreu ainda o desmonte e retrocesso em inúmeras áreas e programas, desde a saúde mental, saúde das mulheres, saúde da população negra, entre outras. Em relação ao enfrentamento do HIV, o Ministério da Saúde invisibilizou o HIV, ao transformar o Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais no Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. O Ministério também silenciou as iniciativas e campanhas de informação em saúde voltadas para pessoas com infecções sexualmente transmissíveis e HIV. Proibiu a discussão de questões relacionadas a direitos sexuais e reprodutivos em escolas. O golpe final foi o corte no programa de HIV/AIDS para 2023, no orçamento proposto”, assinalou.
A professora também lembrou que, apesar da redução do HIV e Aids em diversos países no mundo com os novos protocolos para prevenção e tratamento, no Brasil a redução só começou após 2019, mantendo trajetória de aumento entre jovens gays e uma prevalência entre as populações-chave estabilizada em patamares altos.
Serviço Social
O fortalecimento da extrema-direita no Brasil e sua chegada ao poder, por meio do bolsonarismo, permitiram retrocessos em diversas áreas como o acesso aos meios de prevenção, aos tratamentos para quem vive com o vírus HIV e à informação. Será preciso reverter os danos das políticas dos últimos anos e as/os assistentes sociais têm um papel importante nesse processo.
“É preciso reverter o desfinanciamento do SUS, recompor o orçamento para HIV/Aids, fortalecer os processos de educação em saúde, voltados para a população em geral e, principalmente para as populações-chave. É necessário que o Governo Federal se paute pela cientificidade, sem permitir que o conservadorismo domine as diretrizes para as ações de saúde”, defendeu.
A professora Ana Cristina de Souza Vieira salienta, ainda, que assistentes sociais participam de serviços para pessoas com HIV/Aids e lutam em espaços de defesa do SUS, como a Frente Nacional contra a Privatização da Saúde. Por isso, ela conclui ressaltando que as/os profissionais precisam “defender o SUS, se apropriar de conhecimentos para avançar nessa defesa, se articular com os sujeitos sociais que estão nessa luta, e acompanhar as diretrizes internacionais sobre o HIV”.
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