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21 de setembro: o Serviço Social e suas responsabilidades na Luta das Pessoas com Deficiência

21/09/22 às 00:00
Quando se fala em acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência (PcD’s) é comum que se pense em barreiras físicas. Mas além delas, há também barreiras atitudinais da sociedade que limitam o acesso e a participação dessa população nas mais diversas situações. São os comportamentos humanos que limitam ou impedem o acesso/participação da pessoa com deficiência. O capacitismo da sociedade é tão ou mais limitante quanto as barreiras físicas.

“Não adianta ter um prédio acessível arquitetonicamente se quando a pessoa com deficiência estiver lá, ela for discriminada. Esse tem sido um grande desafio, ressalte-se bastante cansativo: educar as pessoas para mudança cultural na compreensão do que é a deficiência e na aceitação e respeito aos nossos diferentes corpos. Todos os dias sofremos capacitismo que, assim como o racismo, é uma opressão estrutural e estruturante na sociedade capitalista. Precisamos seguir na resistência, nos organizando coletivamente, levantando essa bandeira em diversos espaços institucionais e movimentos sociais”, explicou Mariana Hora, assistente social surda que atua no campo sociojurídico.

Essa realidade também tem rebatimentos na universidade. Mariana, que também é Conselheira do CRESS-PE e representante da região Nordeste no Grupo de Trabalho Anticapacitismo e Exercício Profissional de Assistentes Sociais com Deficiência do CFESS, lembra que as cotas para pessoas com deficiência para acesso à graduação foram implantadas a partir de 2016, enquanto na pós-graduação elas ainda são mais recentes e dependem de decisão de cada Instituição ou Programa.

“Temos atualmente em torno de 1% da população com deficiência com ensino superior completo. Infelizmente, o impacto dessas cotas ainda é lento. É indispensável que, além de acesso, haja esforços para apoiar a permanência e conclusão dos cursos por estudantes com deficiência. Não adianta entrar e não conseguir estudar porque a instituição não oferta a acessibilidade necessária. Somos muito impactados pela atual conjuntura de retrocessos nas políticas públicas. O (des)governo Bolsonaro atrapalhou bastante a atuação do Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Deficiência (Conade) e  precisamos fortalecer o trabalho de base para conscientização política das pessoas com deficiência, especialmente a juventude; capacitar professoras/es para educação superior acessível e inclusiva; cobrar investimentos para ampliação das políticas de assistência estudantil e para melhoria da estrutura e quadro de servidores das Universidades; entre outras medidas”, defendeu.

Para Millena Martins Pedra, assistente social que atua na Educação, o capacitismo da sociedade é muito grande, segregando as diferenças e individualidades, as estereotipando como inferiores. Ela alerta que no imaginário da população a deficiência está quase sempre atrelada a falta de um membro. “As pessoas não aceitam que uma pessoa tenha uma deficiência não visível. Avançar é conquistar o pertencimento ao nosso lugar, a aceitação, uma atividade laboral compatível, independentemente de condições físicas”.

Barreiras

Millena acrescenta que PcD’s não são ouvidas e suas contribuições não são consideradas nas formulações de políticas públicas e institucionais que dizem respeito a elas. “Recentemente passei em um processo seletivo, pela vaga PcD. Minhas limitações não são grandes diante de tantas outras. Minha deficiência é monoplegia de membro inferior esquerdo, limitações no joelho. E na secretaria onde estou inserida fui alocada no terceiro andar e tenho que subir três lances de escadas nos meus plantões. Se fosse uma cadeirante, por exemplo, não conseguiria acessar, assim como milhares que sofrem com a falta de acessibilidade todos os dias. É um assunto repetitivo, óbvio, mas ainda esquecido e ignorado”.

Claudia Xavier Ferreira, assistente social e analista judiciária com especialidade em Serviço Social no Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, lembra que as barreiras atitudinais também são enormes. Ela conta que, antes de trabalhar na Justiça do Rio de Janeiro, foi aprovada no concurso da Petrobras e foi trabalhar no RH corporativo. Lá ela recebia tarefas sem grande visibilidade e nunca era chamada para grandes projetos. Preferiu pedir exoneração mesmo com o a boa remuneração que o cargo proporcionava.

“A pessoa com deficiência já encontra isso na própria família. Existem barreiras. Alguns conseguem estudar, mas a barreira continua na escola, começando pelos olhares diferentes das/os colegas e das/os professoras/es. Na fase adulta vem a dificuldade para conseguir um trabalho. Na entrevista de emprego já olham com pena, se questionando se a pessoa vai conseguir fazer as atividades, muitas vezes sem dar a oportunidade de que seus conhecimentos sejam testados. Há muito capacitismo que, muitas vezes, aparece nos detalhes. É preciso se perguntar: se essa pessoa não tivesse deficiência eu estaria fazendo isso?”, disse.

Cláudia Xavier, que também é bacharel em Direito, explica que as barreiras atitudinais fazem com que a própria PcD duvide de suas capacidades, uma vez que o preconceito é velado, mas recorrente, demonstrado por meio das atitudes. “E a nossa representatividade na política é próxima de zero. Nós não somos ouvidas. É um grande desafio se fazer ouvir e nossas demandas passam por questões triviais da vida, como condições para estudar, trabalhar. Políticas para além dos benefícios que também precisamos garantir”.

Políticas Públicas

Nessa perspectiva, Claudia, que teve paralisia cerebral ao nascer, lembra que assistentes sociais precisam estar preparadas/os para que garantir o acesso às políticas públicas e lutar pela garantia de direitos. “Faltam disciplinas com essa abordagem na graduação. É preciso debater isso na universidade. É preciso que haja acessibilidade nas universidades. A/O profissional de Serviço Social precisa compreender as especificidades da/o usuária/o, os limites dela/e, as dificuldades. Temos que abrir os horizontes dessa/e profissional para gerar mudanças, para que PcD’s possam mostrar suas potencialidades”.

Sobre as responsabilidades das/os assistentes sociais, Millena Martins Pedra frisa dois princípios fundamentais do código de ética da profissão: “VI. Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças”; e “XI. Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física”.

Para ela, “é imprescindível que lutemos por uma sociedade justa e igualitária, reforçando a eliminação de preconceitos, principalmente com as populações minorizadas. É uma luta diária. Essa construção é feita gradativamente, mas não há mais tempo para errar. Não dá mais para não pensar na acessibilidade e mobilidade de PcD´s, tal qual não podemos tolerar comentários racistas”.

Anticapacitismo

A assistente social Mariana Hora completa ressaltando que a categoria possui um projeto ético-político crítico que se interlaça com a construção de uma sociedade justa e sem opressões. Sendo assim, a formação e a atuação de assistentes sociais precisa ser anticapacitista.

“Para intervir nas várias expressões da questão social nós precisamos ter uma compreensão interseccional que inclua deficiência, capacidade, corpos diversos e relações de cuidado e apoio. Mas, infelizmente, essa pauta está ainda muito invisibilizada e marginalizada na formação acadêmica e na atuação profissional em Serviço Social. É preciso mudar isso com urgência, incluindo, de fato, estudantes e profissionais com deficiência e, também combatendo o chamado modelo médico no atendimento à população usuária de nossos serviços”, defendeu.

A Abepss reconhece os desafios que precisam ser enfrentados quando a pauta é a construção e universalização da acessibilidade para pessoas com deficiência. Reitera a necessidade de fomentar permanentemente e avançar no debate sobre essa questão na formação profissional de assistentes sociais, entendendo que ainda há muito a ser feito e que as demandas de PcD’s devem ter a atenção de todas/os, uma vez que surgem a partir das opressões produzidas dentro do sistema capitalista.

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