O Brasil bateu o recorde de desemprego que atingiu nos meses de dezembro de 2020, e janeiro e fevereiro de 2021 uma taxa de 14,4%. O resultado indica que a população desocupada procurando por emprego cresceu em 400 mil pessoas no trimestre, abrangendo 14,4 milhões de brasileiras/os. Além disso, a taxa de subutilização (medida que engloba desocupadas/os, força de trabalho potencial e subocupadas/os) voltou a crescer, ficando em 29,2%. Esse resultado se deve ao crescimento do desemprego, mas também da população subocupada, que aumentou em 180 mil pessoas. No mesmo período, a população desalentada, que desistiu de procurar trabalho por conta da falta de perspectiva, cresceu em 230 mil pessoas. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), do IBGE.
É neste contexto que avança uma mudança danosa para as/os trabalhadoras/es no Brasil e que obriga as pessoas a se submeterem ao trabalho sem direitos e precarizado. O professor titular de Sociologia do Trabalho no IFCH/Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Ricardo Antunes explica que esse imenso desemprego combinado com uma crise profunda da economia e com o avanço intenso das tecnologias de informação e comunicação resulta em trabalhadoras/es que sonham em ter qualquer trabalho.
De acordo com Ricardo Antunes – que também é autor dos livros “Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0” (organizador); “Coronavírus: o Trabalho Sob Fogo Cruzado”; e “Privilégio da Servidão” (todos pela Editora Boitempo) – o contexto econômico torna mais fácil para as pessoas a incorporação às plataformas sem sair de casa, por meio de uma conexão digital. Após aceitas, elas começam a trabalhar transportando pessoas ou mercadorias de carro, moto, bicicleta ou mesmo a pé. Mas essa lógica está se espalhando para outras profissões que englobam a chamada “prestação de serviços”.
EMPREENDEDORES
“Qual é o problema disso? As plataformas que se esparramam pelo Brasil e pelo mundo sabem que a tecnologia permite fazer trabalhos que antes eram impossíveis e a quantidade de gente sem trabalho permite que se ofereça o que a plataforma quiser, porque os desempregados vão aceitar. Nada pior que o flagelo do desemprego. Faltava um ingrediente capaz de oferecer elementos que permitissem às plataformas digitais o argumento de que elas não estão contratando trabalhadores, nem assalariando, mas estão fazendo uma relação com um parceiro ou prestador de serviços. Faltava a denominação ‘bonitinha’ para esconder o flagelo que eles batizaram de ‘empreendedorismo’. Você não é mais trabalhador. Você é empreendedor. Compra o carro, a mochila, o celular, comida, seguro, acidente é problema seu. Esse é o discurso empresarial. Você ganha se trabalhar”, explica.
O resultado dessa fórmula exposta pelo professor é que todos as/os trabalhadoras/es contratadas/os não têm direitos trabalhistas, o que significa que não têm férias, descanso semanal, limite de jornada de trabalho, previdência, licença maternidade, entre outros. “Como é possível que no século XXI, com o capitalismo em sua fase tecnológica mais avançada – de indústria 4.0, inteligência artificial, mundo dos algoritmos –, você recupere formas pretéritas de trabalho que se assemelham à escravidão ou ao início da Revolução Industrial em Manchester, na Inglaterra, quando não havia legislação protetora, o que foi posteriormente uma conquista da classe trabalhadora mundial: inglesa, alemã, francesa, norte-americana, brasileira, mexicana, russa, sul-africana, etc.”.
ILUDIDOS
Grande parte das trabalhadoras e dos trabalhadores tiveram experiências despóticas trabalhando no regime de CLT, em que chefes déspotas os subjugavam, onde eram também precarizados, muitas vezes sem fim de semana porque a empresa os obrigava a trabalhar. Diante de uma plataforma digital, para essas pessoas há a aparente sensação de liberdade no primeiro período. Mas, com a pandemia, a ilusão se revela diante da farsa. É o que explica o professor Ricardo Antunes.
“As pesquisas têm mostrado que na pandemia os trabalhadores contaminados não têm garantia nenhuma de que serão atendidos por um seguro saúde porque as empresas não oferecem. Se eu arrebento meu braço, uma perna, a empresa me desliga e ainda me cobra a última entrega que eu não entreguei e vou ter que pagar. Quem vai pagar os meses parados sem trabalhar, os remédios, mesmo que o atendimento seja pelo SUS? E se a pessoa pegar COVID-19? Os descontentamentos começam a aflorar. O ‘Breque dos Aps’, em 2020, foi a primeira vez em que esses trabalhadores disseram claramente que queriam pagamento melhor, taxa mínima maior, pagamento melhor por quilômetro rodado, EPIs, e várias outras reinvindicações”, disse.
Hoje, quem faz dessas plataformas um bico complementar ao emprego é minoria. As jornadas chegam a 12, 14 horas, sete dias na semana, sem direito a descanso semanal. Ricardo Antunes ressalta que há algo de estranho e que não é possível nenhum trabalho sem direito, uma vez que todas as empresas donas dessas plataformas estão ganhando “rios de dinheiro” durante a pandemia com aumento do ritmo de trabalho, muitos trabalhadores disponíveis e redução dos salários.
“A maioria dos uberizados são motoristas e entregadores, mas já temos médicos plataformizados, assistentes sociais, professores, enfermeiros, arquitetos, advogados, profissionais da limpeza. Tudo pode ser uberizado. Todos eles não têm nenhum direito do trabalho. Este 1 de maio de 2021 é um dos mais tenebrosos da história do trabalho, da desigualdade, da corrosão de direitos, da fome e da miserabilidade. O Brasil consegue ser hoje um dos países com nível de desigualdade mais brutal. Na hora de vermos os dados da pandemia, dos mais de 400 mil mortos, a predominância é de homens e mulheres da periferia, pobre e negros, a juventude da periferia. Muitas famílias não têm nem sabonete e nem água potável para fazer a higiene necessária na pandemia. E nem alimentação mínima para passar o dia. Esse é o cenário do 1 de maio no Brasil em 2021”, ressaltou.
DOCENTES
Professoras/es de escolas públicas e privadas também estão inseridos na uberização junto com outras profissões da chamada “prestação de serviços”, porque fundamentalmente , estão sob a pressão da lógica neoliberal destrutiva e privatista que considera mais lucrativo ter docentes uberizados. São contratados para tarefas específicas e quando acaba a atividade não há mais vínculo, nem 13º, férias, descanso semanal remunerado. O professor da Unicamp Ricardo Antunes lembra que isso já ocorre há anos nas universidades públicas, por exemplo, com a contratação de professores substitutos que ganham até oito vezes menos que o trabalhador em tempo integral, sem direito a nada.
“Acontece que a Educação não deveria estar moldada pelos valores do mercado, mas pela universalidade humana. A uberização do trabalho docente significa quebrar a estabilidade do setor público, quebrar o tempo da ciência, impor uma lógica produtivista em que, através do mundo digital, eu posso dar uma aula e essa uma aula pode ser reproduzida para milhares de alunos remunerando apenas um professor. Recentemente um professor que havia morrido continuava dando aula online. Essa é a tragédia que não podemos aceitar. A uberização não está restrita às plataformas de entrega. Se não reagirmos e formos às ruas de forma massiva quando for possível, a classe trabalhadora vai morrer de fome quando não puder trabalhar. A Previdência Social foi destroçada na contrarreforma de Bolsonaro e os direitos trabalhistas acabaram na contrarreforma do Temer. O 1 de maio é dia de luto pelos 400 mil mortos na pandemia e é dia de luta dos trabalhadores”, convocou.
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