Juliana Batistuta Vale, assistente social, pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC/RJ e pesquisadora na equipe do CIESPI/PUC-Rio, explica que o Estatuto da Criança e do Adolescente representou uma enorme contribuição no que diz respeito ao reconhecimento formal de todas as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e não como meros objetos de controle da população adulta e do Estado brasileiro.
“A Doutrina da Proteção Integral – que fundamenta a legislação vigente a partir dos anos de 1990 – passou a ser uma ferramenta jurídica imprescindível para a superação da tradição menorista, cultura política que vigorou durante décadas de vigência da Doutrina da Situação Irregular (passando pelos Códigos de Menores de 1927 e 1979) e que foi responsável por aprofundar as desigualdades de tratamento dado às crianças e aos adolescentes que têm seus direitos fundamentais assegurados e os que não têm, especialmente, em razão de sua origem relacionada a classe social e raça/etnia. Portanto, o aparato jurídico e institucional produzido pelas diretrizes do ECA passaram a enunciar direitos e a orientar novos fluxos para a promoção da atenção e acesso aos cuidados assistenciais voltados para crianças e adolescentes”, explicou.
Ataques
O ECA sempre foi atacado e parte significativa da sociedade não compreende a sua importância, o considerando nocivo. No cenário atual, com o bolsonarismo no poder, as ameaças são maiores. Juliana, que também compõe a direção nacional do GTP Serviço Social, Geração e Classes Sociais da Abepss, frisa que os retrocessos em relação à democracia e à noção de cidadania atrelada à Constituição Federal de 1988 nos últimos anos também atingem o Estatuto de maneira contundente.
“Assim, além da ameaça de retrocessos recorrentes, como a famigerada proposta de redução da maioridade penal, que ganha mais fôlego junto aos governos conservadores, reacionários e nos de caráter neofascista, como os que emergem no cenário atual, sofremos com o corte dos investimentos nas áreas sociais, com a precarização de serviços fundamentais, com as péssimas condições de trabalho e com o ataque empreendido contra os Conselhos de Direitos. É válido destacar que, desde 2019, o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes (Conanda) vem enfrentando inúmeras dificuldades para garantir o seu funcionamento como órgão deliberativo de políticas públicas para crianças e adolescentes no Brasil”, disse.
Violações
De acordo com a assistente social, é preciso entender que o ECA fez com que as instituições brasileiras recuassem diante da institucionalização massiva da infância entendida como “perigosa” ou indesejável. “Começaram a investir em novas formas de organização e funcionamento da rede de atendimento, a fim de promover o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes, o SGDCA. Mas no cenário atual, não raro, vemos ocorrer lançamentos de programas que em sua aparência trazem um discurso de ‘cuidado’ para com nossas crianças, mas que na prática e em essência acabam por retroceder em direção à cultura menorista, com práticas que representam violações de direitos, podendo implicar em ampliação do poder punitivo sobre crianças e adolescentes, mas também sobre suas famílias”.
Para a profissional, é possível afirmar que casos como o da juíza, em Santa Catarina, que tentou impedir uma criança de 11 anos grávida de realizar o aborto legal, podem se multiplicar ainda mais. “Vivemos em uma conjuntura em que os direitos assegurados em nossa Constituição Federal e em nossas normativas complementares são cada vez mais questionados e desrespeitados. A escalada da violência, incluindo a violência institucional, tem sido muito alimentada pelo senso comum punitivista que o governo Bolsonaro e o bolsonarismo alimentam e praticam. É lamentável que nossas instituições estejam tão inertes diante das barbaridades que estão ocorrendo em todo o território brasileiro e em diferentes áreas”.
Serviço Social
O Serviço Social sempre foi uma profissão implicada nas políticas sociais voltadas para crianças e adolescentes e Juliana Batistuta Vale defende que é preciso atenção tanto à formação como à atuação profissional. “É preciso investir na produção do conhecimento nesta área, valorizando a sistematização de experiências de estágio supervisionado, da extensão universitária, do exercício profissional e da militância. A articulação política para resistir aos retrocessos precisa se dar no seio da profissão, mas também na relação com as demais categorias profissionais, movimentos sociais e núcleos da sociedade civil organizada”.
Ela acrescenta que, para garantir a perspectiva crítica de análise e organização das lutas, não se pode abrir mão da perspectiva de análise voltada para a totalidade social. “Por exemplo, lutar por demarcação de terras indígenas é lutar pelos direitos das crianças indígenas. Temos que nos articular junto às lutas sociais mais amplas, entendendo que para assegurar direitos de crianças e adolescentes, para além da atuação nas particularidades das situações que são postas, é preciso enfrentar a lógica cruel que vem sendo posta pelo modo de produção capitalista contemporâneo, sobretudo, em um momento tão crítico como o que atravessamos no Brasil”, concluiu.
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