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28 de junho: ainda é preciso lutar para que todas, todos e todes tenham o direito de existir

27/06/22 às 00:00
Apesar de alguns festejados avanços nas conquistas de pautas históricas do movimento LGBTQIA+, ainda há um longo caminho a percorrer, uma vez que não há legislação que proteja essa população, mas apenas decisões do Judiciário equiparando direitos de outros grupos minorizados aos das pessoas LGBTQIA+, como foi o caso da LGBTQIA+fobia, equiparada ao racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O parlamento brasileiro, extremamente conservador, mantém a comunidade sem direitos, reservando a ela o lugar de abjeta. Em ano de eleição, a reflexão sobre a composição do Congresso Nacional, que se mostra permanentemente como inimigo de pessoas LGBTQIA+, torna-se ainda mais importante para que o movimento de mudança dessa realidade seja produzido.

Para Marco José de Oliveira Duarte, professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador da ênfase de Sexualidade do GTP Serviço Social, Relações de Exploração/Opressão de Gênero, Feminismos, Raça/Etnia e Sexualidades da Abepss, o que foi conquistado é a “Cidadania de Consolo”.

“Parece que a gente conquistou direitos. Mas está posta uma hegemonia branca colonial. Somos dissidentes e ainda somos vistos como abjetos. Isso faz com que a gente se organize para afirmar nosso lugar de diferença. Somos diferentes e ponto. Sou dos anos 80. A gente ainda estava se organizando de forma clandestina. A gente se colocava pontualmente, em pequenos grupos. Veio a despatologização da homossexualidade, mas isso não repercutiu a ponto de termos cidadania. Continuamos a sofrer toda a sorte de preconceito nas famílias, escolas, religião. E em 1988 não conseguimos colocar na Constituição a proibição da discriminação à comunidade LGBTQIA+. E pra completar, ainda veio a epidemia de Aids. A gente nunca foi prioridade. Até hoje não tem vacina para HIV”, contextualizou.

Políticas Públicas

O professor, que também é docente permanente do Programa de Pós-graduação em Serviço Social (UFJF) e colaborador do Programa de mesmo nome na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), explica que em 2001 aconteceu a Conferência de Durban, na África do Sul, o que influenciou o Brasil ser signatário do debate da sexualidade junto com o debate de gênero.

“Aí temos a primeira política pública, o ‘Brasil sem Homofobia’, em 2004. Mas temos um marcador governamental, uma vez que o presidente era Lula. Já tínhamos entrado no debate do SUS nos anos 90. Mas não teve dinheiro para o ‘Brasil sem Homofobia’. Não existe política pública sem dinheiro. Aí não avançamos por todos os tipos de pressão conservadora. Na saúde, avançamos mais, com a Política Nacional de Saúde LGBT, mas com uma portaria que pode ser revogada a qualquer momento. E em alguns lugares o acesso é universal e em outros locais não. Assim como temos uma Reforma Psiquiátrica atacada pelos bolsonaristas, pode haver ataques semelhantes à Política Nacional de Saúde LGBT por meio de ‘revogaços’ das portarias. Nós não existimos no Congresso Nacional. Não temos garantia legislativa porque o congresso sempre foi conservador. Sempre nos invisibilizou e nos silenciou. Esse conservadorismo sempre esteve presente no estado brasileiro. O pouco que conquistamos foi em governos ditos progressistas, que também recuaram. Vivemos uma judicialização das nossas vidas. Casamento, doação de sangue, imposto de renda, criminalização da homofobia. Tudo judicializado. Não vou ser contra. Mas não temos retaguarda do executivo e nem do legislativo. Mas o que temos são 40 anos de movimento. Podemos negociar com o Estado as nossas causas. E temos que fazer mais denúncias, mais publicização, mais paradas”, disse Marco José de Oliveira Duarte.

Extrema-direita

O professor, que também coordena o Grupo de Estudos e pesquisas em Sexualidade, Gênero, Diversidade e Saúde: Políticas e Direitos (GEDIS/CNPQ) da UFJF, bolsista de produtividade do CNPQ, lembra que, com o Governo Bolsonaro, as coisas ficam imensamente piores. “Evidente que, neste momento de extrema-direita fundamentalista no poder emperra muito mais. Isso significa também aumento de violência e assassinato da população LGBTQIA+ em geral. Somos os inimigos da ‘família’. Não temos nenhum tipo de proteção e de política pública pra gente. Foi tudo pro ralo. O máximo foi o BO, reforçado pela judicialização da LGBTQIAfobia. A gente não tem direito nenhum. Pelo Disque 100 e Sinan as pessoas não levam a nossa existência em consideração. Há um apagão estatístico. Se não existimos, não tem política pública pra gente.

De acordo com a professora Kátia Marro, assistente social e docente do curso de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) de Rio das Ostras, a eleição de Bolsonaro fez com que muitas fichas caíssem. Para ela, este governo é o pior cenário e o efeito do seu discurso de ódio levou pessoas LGBTQIA+ que não estavam organizadas a se organizarem.

“Houve uma ascensão de governos reacionários de direita na América Latina. Mas a Colômbia, por exemplo, acabou de derrotar o Bolsonaro dela. Bolsonaro ainda não foi derrotado eleitoralmente, é preciso frisar. De qualquer forma, permanecerá na sociedade um extrato da sociedade que ganhou expressão política. Um policial que há 15 anos atacava negros sem saber bem a razão, hoje o faz por identificação política. Para pessoas LGBTQIA+ há uma ameaça. Sair nas ruas será sempre um perigo. O desafio para quem está organizado para o trabalho de base, de formiga, é desmontar essa identificação à direita da sociedade”, disse Kátia.

Representação

A professora da UFF, que também integra a coordenação do GTP Serviço Social e Movimentos Sociais da Abepss, defende que essa conjuntura fez com que o movimento LGBTQIA+ se politizasse muito, amadurecendo e saindo do gueto. “Hoje levantamos diversas bandeiras além das do movimento, como as das causas da agroecologia, dos indígenas, e do conjunto das lutas populares. Qualquer movimento popular tem uma setorial na esquerda. Houve uma transversalização dentro dos movimentos populares. E isso é um ganho recente e que precisamos manter. Temos que manter a liberdade e a diversidade sexual. Hoje a esquerda é mais ampla e menos conservadora e devemos isso às lutas LGBTQIA+. Precisamos resguardar isso a todo custo”.

Kátia Marro explica que há um núcleo duro na sociedade que abraça o fascismo (Bolsonaro pode sair, mas o bolsonarismo fica), mas que parece haver também os que se construíram em torno das frustrações de uma forma extremamente agressiva. “Temos que virar essa frustração para a luta e não para a violência. Para um projeto de futuro. As pautas LGBTQIA+ são estratégicas porque têm relação com ‘ser’. Um convite à liberdade, a ser, a amar. É libertador no sentido de oferecer uma condição de ser”.

O professor Marco Duarte, da UFJF, ressalta, contudo, que há sinais de melhorias, por exemplo, no quadro da LGBTQIA+fobia estrutural. “Tivemos um avanço na representação. Está chegando um momento de saturação em que as pessoas estão percebendo que precisam ocupar os espaços. Não somos isentos dos atravessamentos ideológicos. Estou esperançoso com as eleições de 2022 pela questão racial. As sementes de Marielle multiplicaram. Há um debate importante na perspectiva da interseccionalidade – raça e sexualidade. Com isso, promovemos o enfrentamento ao estado branco, burguês, religioso. Esse enfrentamento com grupos religiosos não acontecia. Voltamos para a colonização, somado a uma lógica ultraneoliberal e com a necropolítica do fazer morrer e fazer morrer desse governo Bolsonaro. Temos um projeto político genocida brasileiro. E não é fascista de agora. É a estrutura do estado. O que ocorreu é que, a partir do Golpe de 2016, que derrubou Dilma, essa estrutura ficou mais explícita. Hoje ela também é miliciana, sustentada pelas bancadas da bala, da bíblia e do boi (agronegócio) no Congresso Nacional”.

Serviço Social

Para Marco Duarte é preciso debater ainda mais gênero e sexualidade no Serviço Social. “Na última Temporalis, da Abepss, tem um artigo nosso. Fizemos um texto com a questão das diretrizes curriculares. Promovemos um debate sobre a questão racial, gênero feminismo e sexualidade. Mas ainda considero tímido. Poderia haver disciplinas obrigatórias, não apenas optativas. O Serviço Social tem um acervo teórico de competência e precisamos enfrentar temas e agendas que estão aí. Como fazemos as mediações necessárias para pensar esses temas dentro das relações sociais? Este é um debate que precisa ter mais visibilidade e precisa estar no patamar de outros debates. Precisamos de eventos, simpósios e seminários específicos. Se temos um debate sobre sexualidade, é porque pessoas militantes foram para o campo da formação pra fazer o debate e isso é bom”.

Para a professora da UFF Kátia Marro, entretanto, há passos muito positivos sendo dados no Serviço Social. “Nossas entidades foram pioneiras, junto com a Psicologia. Fizemos inovações, normas profissionais que o CFESS sempre pauta, notas técnicas. E na formação, a inovação é muito importante. Há temas novos nas disciplinas, há crítica antifascista, há feminismo, abordamos as liberdades sexuais. Há até 15 anos eram temas mais laterais, pesquisados por poucas pessoas. E hoje as temáticas são centrais em residências, campanhas, no ensino. Há um perfil mais sensível às pautas. Isso transformou a formação profissional, como eu e outros colegas fomos transformados. Hoje funcionários são orientados, há inovações institucionais e no currículo. Garantimos um perfil mais sensível e tecnicamente qualificado para dar conta das demandas LGBTQIA+”.

A professora lembra que ainda há muitos desafios e que é preciso enfrenta-los no dia a dia. “No contato com usuários para falar sobre o tempo histórico, acolher com espaço para a diversidade sexual. Estamos conseguindo muito nesse sentido. A maior parte de nossos estudantes já chega ‘saída’ do armário. Pessoas LGBTQIA+ circulam na Universidade com relativa segurança, pessoas trans têm seu nome respeitado. Há coisas que são da ordem da vivência e que são difíceis de essa ascensão fascista desmontar”, concluiu.

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