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Mês do Orgulho LGBTQIA+: bolsonarismo ataca minorias sociais, mas coletivos não vão recuar

24/06/21 às 00:00
Os avanços nas políticas voltadas para a população LGBTQIA+ nos últimos 20 anos são fruto da organização de demandas e luta dos movimentos sociais. Um dos resultados qualitativos importantes desse percurso foi o I Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBTI, publicado em 2009. Mas, hoje, fica cada vez mais evidente que nada está garantido. A agenda econômica ultraliberal e conservadora do bolsonarismo utiliza o extermínio das minorias sociais como um dos seus pilares para se viabilizar. A neutralização da política nacional LGBTQIA+ é uma das investidas do Governo Federal para manter sua base de apoio ativa. E essas questões são o tema desta segunda matéria que a ABEPSS publica no mês do Orgulho LGBTQIA+, comemorado em 28 de junho, como parte de uma série sobre a temática da diversidade.
 
A conjuntura coloca inúmeros desafios para as lutas LGBTQIA+, mas a resistência é uma marca fundamental das lutas sociais. As eleições municipais de 2020 ampliaram as vozes LGBTQIA+, negras, e de mulheres nas Casas Legislativas, em especial em partidos de esquerda e centro-esquerda. É o que explica Bruna Andrade Irineu, professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
 
“Isso nos dá um horizonte para 2022 e fortalece o significado do processo de organização coletiva. A política de ódio de Bolsonaro e dos setores que se congregam a sua agenda política, expressam o ressentimento com os avanços das lutas sociais feministas, negras, LGBTQIA+ e da classe trabalhadora. Há muitas mentes e corações a se disputar até as eleições de 2022, e não tenho dúvida do lugar que o Serviço Social ocupa nessa trincheira e como militante lésbica pelos direitos humanos LGBTQIA+ há quase 20 anos, vejo força e coragem muito grandes, em especial na juventude”, ressaltou.
 
A professora diz estar otimista quando observa as ações dos movimentos sociais, mas ressalva que nesses 40 anos de Movimento LGBTQIA+ no Brasil, há dificuldades de destacar avanços concretos na proteção dessas vidas no país que mais mata pessoas transexuais e travestis no mundo (dados da organização Transgender Europe). “Caminhamos no plano formal das políticas públicas e no reconhecimento jurídico dos direitos civis, mas estamos estagnados quando se pensa os direitos sociais”.
 
Políticas
 
A partir de 2009, com o I Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBTI, houve um impacto que reorganizou as demandas, por parte da sociedade civil, e o surgimento de políticas como a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, além de algumas iniciativas estaduais e municipais.
 
Bruna Andrade Irineu, que também é integrante do Comitê Editorial da Revista Temporalis da ABEPSS e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Relações de Gênero (NUEPOM/UFMT), lembra que o segmento LGBTQIA+ teve compreensão quanto à urgência de mobilizar e demandar reconhecimento nas políticas de previdência social, assistência social e de trabalho, avançando para além do debate, até então, quase que restrito à saúde, segurança pública, cultura e educação. No entanto, o não estabelecimento das políticas federais nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) reforçaram pontos de fragilidade para a existência de uma política contínua e pactuada nos três níveis (União, estados e municípios).
 
“A ausência de dotação orçamentária específica para a política nacional LGBTQIA+, que previsse descentralização de recursos nos três níveis, por exemplo, acabou por alocar as ações em um roll de fragilidade mesmo que estas mesmas tenham sido relevantes para colocar a LGBTIfobia na agenda pública de forma mais definitiva na década passada. Isso facilitou o caminho para a rápida consolidação da agenda anti-direitos LGBTQIA+ do governo Bolsonaro”, explicou a professora.
 
Judicialização
 
O Brasil é um dos poucos países na América Latina que nunca aprovou uma lei específica para população LGBTQIA+ no Legislativo. As recentes decisões em relação ao casamento, à alteração de registro civil por pessoas transexuais e travestis, à doação de sangue e a criminalização da LBGTIfobia são frutos da judicialização dos direitos humanos.
 
“Obviamente que isto não é uma exclusividade das pessoas LGBTQIA+ no Brasil, mas denuncia o conservadorismo do Congresso Nacional. Ainda assim, se a lacuna entre lei e direito no Brasil não fosse tão grande, a própria Constituição de 1988, já nos garantiria um ‘direito democrático da sexualidade’. Nossa atual dependência da via de judicialização dos direitos só alarga ainda mais as desigualdades sociais do país. Um risco para vida da população LGBTQIA+, que conforme a pesquisa #VoteLGBT, de 2020, está entre o segmento social com altos índices de agravamento da saúde mental na pandemia de COVID-19; e com grandes dificuldades de se inserir no mercado de trabalho formal, quando se avalia especialmente LGBTQIA+ negras e pessoas trans”, disse Bruna Andrade Irineu.
 
A situação relatada pela professora expõe uma outra armadilha da judicialização, que é o limite do Judiciário de aprovar mudanças que ultrapassem aquelas do âmbito dos direitos civis (como casamento, doação de sangue, registro civil), que são tão crucias quanto os direitos sociais. “Para uma mudança concreta da vida das pessoas LGBTQIA+, é preciso garantir educação, saúde, moradia e emprego, por exemplo. O Judiciário não vai operar essas mudanças, porque para que elas ocorram é preciso uma dinâmica que envolve muito mais o Legislativo e o Executivo”.
 
Perspectiva
 
A estratégia de desmoralização das instituições democráticas é central para a política bolsonarista, que sobrevive do extermínio das minorias sociais enquanto avança com políticas econômicas ultraliberais e conservadoras. Nessa perspectiva, Bolsonaro não precisou excluir a coordenação geral de direitos LGBTQIA+ do Governo Federal. Bastou esvaziar a política, extinguindo o Conselho Nacional LGBT e dando poderes à Damares Alves para a implementação de uma programática familista, como destaca a professora Bruna Andrade Irineu.
 
“Há um potencial enorme de destruição do debate público (e republicano) acerca dos direitos sexuais e reprodutivos. O desfinanciamento e o ataque às políticas de educação vêm sendo centrais para o bolsonarismo, porque lá residiria a fonte de mudança social – a educação e sua capacidade crítica em si. Sua primeira ação no MEC foi a extinção da SECADI, setor que fomentava as formações continuadas em gênero e diversidade. Atacando, descredibilizando e esvaziando as instituições democráticas, o bolsonarismo encontra um terreno fértil para disseminação do ódio e das fakenews. Neste contexto, não é possível criarmos novas políticas institucionais. Nos resta zelar pelo funcionamento daquelas que estão sob ataques e ameaças”, explicou.  
 
E o destaque neste zelo, apontado pela professora, são os coletivos LGBTQIA+ articulados no campo anticapitalista que não estão dispostos a dar passos para trás, mesmo diante da captura de várias pautas pelo sistema capitalista para a venda de produtos no chamado “mercado pink” ou o “pink money”.
 
“Há uma disseminação da crítica anticapitalista hoje que eu não via quando iniciei minha militância. Precisamos de um debate franco e respeitoso no campo de esquerda que possibilite ampliar nossa compreensão de que a luta LGBTQIA+ envolve muito mais do que o reconhecimento da diferença em relação às identidades. É preciso um entendimento sobre como classe social está ligada com gênero, raça e sexualidade em contextos como o brasileiro. E para o futuro próximo, só há a certeza de que da vergonha emergiu o orgulho. E do orgulho resplandecerá a revolta, a insurgência, com toda desobediência que nos é característica. Nenhum passo atrás! E #ForaBolsonaro!”.
 
 
 
 
 
 
 
 

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