O presidente da ABEPSS, Rodrigo Teixeira, explica que a violência, simbólica e física, contra a população LGBTQIA+ fez e faz com que muitos sintam vergonha do que são. “Eu sinto orgulho por ser um homem gay cis, porque é o que eu sou! A violência contra nós LGBTQIA+ fez por muito tempo com que tivéssemos vergonha de ser o que somos. Fez com que não assumíssemos nossa orientação sexual e/ou identidade de gênero. Se hoje conseguimos expressar o orgulho que sentimos de nós mesmos, isso não nos foi dado. Isso foi fruto de muita luta e de muitas vidas eliminadas”.
A representatividade é lembrada por Rodrigo Teixeira como fundamental no processo de se orgulhar. “Tive a condição de ter tido muito apoio em casa, uma família que me respeita e que me permitiu sentir orgulho de mim mesmo. Mas a minha geração quase não viu nenhum LBGTQIA+ de destaque nas artes, na ciência, na política. Eu não tinha professor/a assumidamente LGBTQIA+ e essas referências são muito importantes. Por isso, assumir o orgulho de ser quem somos é uma resistência. Poder expressar o meu orgulho, nesse dia 28 de junho, é também manter a luta para que nenhum LGBTQIA+ deixe de sentir orgulho de ser quem é”.
Na perspectiva da formação em Serviço Social, Rodrigo defende que o avanço dos coletivos LGBTQIA+ esteja alinhado às lutas da classe trabalhadora, porque o orgulho é também do reconhecimento como classe. “É na luta anticapitalista que devemos forjar o orgulho de sermos LGBTQIA+. A formação em Serviço Social deve oferecer, por meio de um conhecimento histórico, teórico e reflexivo, os elementos para romper com qualquer forma de preconceito”.
Eleições
Se por um lado a onda ultraconservadora do Bolsonarismo veio varrendo boa parte do país nos últimos anos, colocando em risco as conquistas da população LGBTQIA+ e impedindo que novos avanços sejam feitos, por outro as eleições de 2020 deram uma resposta de diversidade a este retrocesso. É o que ressalta a vereadora de Batatais, cidade do interior de São Paulo, Anabella Pavão da Silva (Psol), uma mulher trans.
“Em 2020 houve um avanço expressivo da ocupação da diversidade em cargos eletivos. Isso simboliza que as nossas lutas sociais e políticas estão conseguindo adentrar as Instituições historicamente brancas, burguesas, patriarcais, masculinas, héteras e cissexistas. Estamos construindo uma representatividade de fato, com a presença da diversidade étnico-racial, sexual e de gênero, com o protagonismo da classe trabalhadora, redesenhando o atual perfil do nosso campo político tão preso ao passado. A mandata formada por mim em uma cidade de mais de 60 mil habitantes demonstra os avanços permitidos por políticas sociais afirmativas que ascenderam da formação política, crítica e reflexiva das gerações mais jovens, se estendendo ainda às gerações mais experientes e de lutas em outros tempos históricos”, explicou.
Anabella Pavão da Silva, que também é doutora em Serviço Social e pesquisadora do GEPPIA (UNESP/Franca) e do Grupo PICO (UFTM), ressalta a importância da representatividade para a população LGBTQIA+, assim como a contribuição do projeto ético-político do Serviço Social para que ela se ressignificasse e exercesse a função de vereadora com diálogo, prezando pela educação popular e em articulação com segmentos da classe trabalhadora, articulando, ainda, ideias com outros espaços.
“Além de ser mulher transexual, a formação em Serviço Social e a militância acadêmica em áreas diversas se somam ao compromisso de uma mandata em relação aos interesses da classe da qual sou filha: a classe trabalhadora. Não é todos os dias que uma transexual, filha de metalúrgico aposentado e de empregada doméstica, ocupa um espaço na universidade ou no poder legislativo de um município. Nós, travestis e transexuais, que estamos em mandatas eletivas, afirmamos e reafirmamos que o nosso lugar também é na política e que os três poderes devem se colorir e representar os anseios da população e não os interesses dominantes. Chega de elegermos quem não olha por nós. Ser LGBTQIA+, assistente social, pesquisadora e vereadora é luta, resistência e é sujeitar o corpo político às contradições e ameaças do sistema ao qual estamos submetidas. Seguimos!”, enfatizou.
Movimentos Sociais
É inegável o papel essencial que os coletivos têm no processo que permite que a população LGBTQIA+ sinta orgulho de ser quem é. É no encontro com toda a diversidade dos movimentos que se alimenta a inspiração e o impulso coletivo para mudar o mundo, como explica Katia Marro, docente do curso de Serviço Social da UFF de Rio das Ostras, e integrante do coletivo LGBT do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
“O encontro comigo mesma, o reencontro com a minha sexualidade – diversa, colorida, que não cabe nos moldes desta sociedade heterocispatriarcal –, o encontro com minhas/meus compas me fez, e me faz, mais livre e mais humana, me enriqueceu como pessoa, intelectualmente, como sujeito. Complexificou minha visão do mundo, me levou a estudar e tentar compreender as amarras que pesaram na minha sexualidade à luz das determinações materiais e históricas da sociedade capitalista. Não sou a mesma mãe que era, não sou a mesma professora que era. Minha forma de ver e estar no mundo carrega a dignidade dessas lutas coletivas que desbravaram tantas cercas antes de nós. Guardo dentro de mim o alerta do coletivo, de que romper com as cercas do latifúndio é também romper com as cercas que nos impedem de viver e amar livremente”, disse.
Sobre as perspectivas para o futuro, Katia Marro, que também é da coordenação do GTP Movimentos Sociais e Serviço Social da ABEPSS, aponta uma certeza: no que depender da luta coletiva, ao armário ninguém vai mais ser obrigado a voltar.
“Sinto orgulho quando vejo estudantes que chegam à universidade e se afirmam antirracistas, feministas ou antipatriarcais, se identificam como LGBTQIA+. Sinto orgulho de estar contribuindo para enriquecer uma formação profissional de uma/um assistente social que um dia possa acolher uma mulher violentada; que possa acompanhar um homem trans que se autorreconheça; que possa efetivar o acesso a auxílios assistenciais de famílias igualitárias; que possa denunciar a lesbofobia das instituições; que possa dizer não aceito, mesmo quando tudo convide a calar. Nossa formação profissional vem se enriquecendo; e não apenas pelo esforço das nossas entidades, das nossas/os intelectuais, das nossas/os profissionais da linha de frente. Nossa formação profissional vem se enriquecendo também pelas urgências que os sujeitos e as lutas coletivas apontam como necessárias. A história não é linear, e às vezes os tempos históricos parecem fechar seu cerco, reduzir os nossos horizontes de humanidade, mas podemos ter uma certeza: ao armário, nós não voltamos mais! Lohana Berkins, mulher travesti, comunista, militante aguerrida da Fúria Travesti, disse com a palavra certeira de quem alimenta sua trajetória de tantas lutas: o amor que nos negaram é nosso impulso para mudar o mundo”.
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